Há três anos, alguns estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em frontal desrespeito à Constituição Federal, celebraram o Protocolo ICMS nº 21, que impõe o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações interestaduais com mercadorias comercializadas de forma não presencial, como internet e telemarketing, em favor do estado do domicílio do consumidor.
Felizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou no último dia 17 de setembro a eficácia deste acordo e resolveu, por maioria, modular os efeitos da decisão. Ou seja, no entendimento da Corte, as regras do Protocolo não estariam mais valendo desde fevereiro desse ano, quando foram interrompidas por meio de liminar. Apesar da extinção dos efeitos do acordo, ainda é necessária uma regulamentação que disponha sobre o recolhimento de ICMS no comércio eletrônico para acabar de uma vez por todas com a insegurança jurídica sentida pelo setor atualmente.
A guerra fiscal inaugurada pelo Protocolo, a exemplo de todas as outras, acabou por prejudicar sensivelmente as atividades dos contribuintes. Neste caso, os comerciantes que utilizavam meios eletrônicos para comercializar suas mercadorias. Repentinamente, estes vendedores viram-se obrigados a ingressar com medidas judiciais porque, do contrário, teriam de optar entre recolher duas vezes o valor do imposto – uma, em favor do estado em que estão estabelecidos e outra, em favor dos estados signatários do famigerado Protocolo. Ou então teriam suas mercadorias apreendidas pelas repartições fiscais de fronteira.
Em meio a esse cenário conturbado, membros do Congresso Nacional, visando à revisão da distribuição do produto da arrecadação do ICMS entre os estados, iniciaram negociações no sentido de por um fim à guerra fiscal estabelecida. Como resultado desse trabalho, foi dado mais um passo no sentido da alteração da sistemática de cobrança do ICMS incidente sobre as operações interestaduais realizadas por agentes do comércio eletrônico. A comissão especial destinada a proferir parecer sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 197/12 aprovou o texto substitutivo elaborado pelo relator da matéria, deputado Márcio Macêdo (PT-SE).
Conhecida como PEC do Comércio Eletrônico, a proposta objetiva a alteração do artigo 155, parágrafo 2º, incisos VII e VIII da Constituição Federal. Segundo a redação desses dispositivos hoje em vigor, nas operações ou prestações que destinem mercadorias ou serviços a não contribuintes de outros estados, o ICMS devido deve ser recolhido integralmente para o estado de origem – o da localização do vendedor da mercadoria ou do prestador do serviço. Com a PEC, o ICMS incidente nas operações interestaduais realizadas por comércio eletrônico passaria, gradativamente, ao longo de cinco anos, a ser recolhido em favor do estado de destino – o do adquirente.
Não obstante o louvável esforço empreendido no sentido de solucionar essa questão pontual, é importante que nossos congressistas não percam de vista que somente a aprovação dessa proposta não basta. É imprescindível que a alteração no texto constitucional seja acompanhada de modificação da legislação complementar, visando a regular o sistema de créditos, de forma a evitar distorções no sistema de apuração do imposto devido que venham a onerar os custos dos produtos ou serviços. E, consequentemente, seus respectivos preços.
Em situações similares, a concepção de alterações precipitadas e incompletas gerou distorções que, até hoje, trazem insegurança jurídica. É o caso dos serviços de comunicação não medidos, como os de TV por assinatura e de provimento de conexão privada à internet, cuja Lei Complementar nº 102, de 2000, determinou o pagamento do imposto devido em partes iguais para os estados onde se encontram o prestador e o respectivo usuário.
Como essa mesma lei nada dispôs quanto à alíquota aplicável a tais serviços, à forma de registro dos créditos correspondentes e, ainda, aos procedimentos a serem adotados na hipótese de o prestador dos serviços e/ou de seus usuários serem estabelecidos em mais de um estado (como ocorre no caso de pessoa jurídica prestadora dos serviços que detêm estrutura física de comunicações em várias localidades diferentes para atender pessoa jurídica contratante que deve utilizar os serviços por suas filiais), são muitos os problemas enfrentados pelos contribuintes que se veem à mercê de interpretações diferentes em cada um dos estados onde são estabelecidos.
Assim, só nos resta esperar que a PEC do Comércio Eletrônico represente uma efetiva evolução para o sistema tributário e não mais um componente a ampliar o chamado custo Brasil.
*Antonio Carlos Salla é sócio na área de consultoria tributária do escritório ZCBS Advogados, palestrante do curso de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários de Sorocaba (IBET) –[email protected]